2015-03-26

M69 - A piscina do Lucusse
No livro chamado Maravilhas do Mundo (ed. 1933), R Halliburton escreveu que “... a Grande Muralha (GM) é a única obra do homem que pode ser vista do espaço”
Em 1972, o astronauta G. Cernan, após regressar da missão Apolo 17 confirmou que quando em órbita, a 320 kms da Terra, tinha divisado a GM.
Em 2003 o astronauta chinês Yang Liwei, que deu 10 voltas à Terra na Shenzhou 5 disse que apesar de se ter esforçado não tinha avistado a muralha. Desfez-se o mito; ainda que o observador esteja em voo orbital o mais baixo admissível, não há construção humana, que seja de facto visível a olho nu.
Cerca de um anos depois, ou seja em 2004, a Keyhole (curiosamente uma empresa criada pela CIA), vendeu à Google um programa chamado EarthViewer 3D.
Bem hajam pelo acordo de negócio; hoje, dispomos de um software magnifico … o –google Earth
Tinha-me há tempos ocorrido que observar do espaço os outros espaços terrenos africanos em que estivemos confinados durante 27 meses, poderia constituir motivo para alguma reflexão ou comentário que no presente estimulasse  memósria antigas que todos mais ou menos partilhamos.
Por isso, accionei o Google Earth e marquei o destino: Lucusse
É um espanto este programa, já estou de saída do voo orbital virtual e mergulho no interior de Angola.
O rigor da navegação facilita a captação de registos da imagem do solo.

No que, o primeiro temos o Lucusse quase centrado e três vias (em tom amarelo) radiais; para a esquerda alta, segue para o Luso, a da direita alta, para o Lunhamege e para sul a que dá acesso ao Lungué-Bungo.


No segundo registo, a partir de uma posição a menor altitude, são ainda perfeitamente identificáveis as vias radiais acima referidas.
Recorri a uma ferramenta do Google Earth que permite delimitar uma qualquer zona do solo; no caso parece-me que estão correctamente identificados o campo de futebol (pelado) e o espaço que terá sido ocupado pelas instalações militares.


Se a memória não me falha, próximo do canto NW do aquartelamento, situava-se uma passagem de peão que dava acesso ao campo da Tecnil.
A partir do ponto em que estaria esta passagem de peão, foi marcada no registo de observação seguinte, uma linha sinuosa com que procuro representar um eventual trilho de pé posto. Na extremidade desta linha está penso, perfeitamente identificavel a obra (elefante branco) do Mj. ASS.


A mui célebre piscina do Lucusse (para melhor observação clicar na imagem)
Um dia em que a obra já ia algo avançada, deu um ar de graça ao tentar sugerir que … nem sei!...
Talvez sugerir que lhe estava escrito no destino, uma vez que invocou uma frase de Pessoa: “Deus quer, o homem imagina, a obra nasce”.
Fiquei siderado.
É sabido que esta obra megalómana – uma vez concluída dava para albergar em simultâneo todo o pessoal da CCS – começou por ser uma proposta de voluntariado e poucos dias decorridos passou a trabalho por escala.
Teve um gast
o enorme de cimento que poderia, caso tivesse optado por uma geometria mais modesta, ter sido utilizado em melhoramento das instalações militares ou do bem estar dos residentes na sanzala.
Uma vez carregada com água, revelaram-se fugas várias; nunca chegaram a ficsr totalmente controladas.
Procurei nos meus arquivos uma fotografia que desse ideia da dimensão da dita piscina, mas só encontrei uma em que o campo estará reduzido a talvez 1/6 do que era a realidade.
Mas, tem um mérito, e por isso vai aqui ficar; testemunha uma das primeiras lições de natação que ali tiveram lugar.
Compenetrado o (à data) Furriel MO (de t-shirt preta), observa e tenta executar em seco a técnica natatória, demonstrada pelo esforçado instrutor.


Azevedo

2015-03-24

M68 - O dia em que o Mj ASS accionou a "armadilha"

O filme MASH (acrónimo de Mobile Army Surgical Hospital), de R. Altman foi estreado em Portugal nos finais de 1974. Quando regressei da ZMAngola, em finais de Setembro deste ano, agarrei a oportunidade de rever o que me tinha ficado registado de forma indelével do filme que tivera oportunidade de visionar fora de portas em 71; rever as interpretações do naipe de bons actores: dos impagáveis Duke, Hawkeye e Trapper, do desconcertante Radar e da sedutora Hot-Lips.
Um primor de anti-militarismo, em que sobre cenários da guerra da Coreia, se criticava a guerra de Vietname; uma sátira, mas também uma mensagem tão poderosa quanto a que ainda iria descobrir, algum tempo depois, no primeiro visionamento do filme de Sidney Lumet, A Colina Maldita (the Hill).
As mensagens de MASH, iriam ter uma quota parte de influência na minha travessia dos anos 72-74.
Desde muito cedo constatei que um dos quadros do BArt reunia um conjunto de características negativas que amiúde me obrigava a compara-las com estereótipos da obra inspiradora de Richard Hooke.
E, a breve trecho, foi só juntar letras e saiu: ASS
Há dias passei minutos de sorriso alargado com recordações esparsas de algumas das situações em que esteve envolvido e que tive oportunidade de observar.
Participei numa das mais, sui generis; e recordo o exercicio de controlo que foi manter cara-de-pau, onde o cenário era mais para o hilariante
Passo então à descrição dos antecedentes e da conclusão.
Estávamos ainda no Lucusse; era uma tarde de ócio quente, como muitas outras em que o pensamento perseguia tudo e nada. À falta de melhor, pareceu-me que era chegada a altura de ensaiar uma velha brincadeira a que dava o título de molha-gatos; a diversão ia consistir em colocar no bordo superior da porta de acesso às instalações sanitárias dos oficiais subalternos, uma muito partilhada bacia de plástico encarnada, carregada com 4 a 5 litros de água.
Decorria daqui que o primeiro apressado e/ou desatento que quebrasse o equilíbrio instável do sistema, levava com a carga líquida e logo de seguida com o recipiente.
E, foram vários os que se envolveram na experiência como vítimas e diversas as exclamações, no mais puro vernáculo, que foram proferidas a horas e desoras
Não tardou que o conhecimento e as consequências da "armadilha" se tornassem conhecidas, como agora se diz, transversalmente.
E também "verticalmente", como se demonstra no episódio da armadilha accionada pelo, à data, Mj ASS
Num belo fim de tarde, em que tinha a "armadilha" montada, e estava à conversa no que era pomposamente designado por bar de oficiais, entra o Mj ASS, que, poucos minutos decorridos, se aproxima e sussurra que tem algo a dizer-me, porém sujeito a confidencialidade. Deixo a cavaqueira e sigo-o até ao local para onde se tinha encaminhado: o pequeno hall de entrada do JC, onde se iniciava o corredor de acesso aos quartos dos subalternos, e ainda estava a porta que abria para as instalações sanitárias.
Aí começa com uma conversa frouxa, sem nexo e a dar-me pequenos toques nos ombros. Constato que ele está a deslocar-se circularmente, obrigando-me a rodar para o enfrentar. Estranho o comportamento e, como o hall era mesmo pequeno, olho por cima do ombro para avaliar o espaço de manobra que tenho, sem correr o risco de ficar molhado.
Nesse preciso momento, percepciono um movimento abrupto de ataque, de que me esquivo rápido; o Mj. ASS, entra em desiquilíbrio, e de braços projectados para a frente, prossegue em direcção à porta "armadilhada".
A água cai implacável e quase em simultâneo a bacia. Consigo escapar apenas com uma manga da camisa meia molhada; ele apanhou bem mais. Porém há uma nota extemporânea, um grito, não de desconforto, mas de dor aguda.
Recomponho-me e vejo-o com o corpo ligeiramente dobrado, aos saltinhos, ombros comprimidos, a mão esquerda no sovaco da direita, de esgares múltiplos no rosto ... e com a ladainha ai, ai, ui, ui …
Havia razão para tal; nos instantes subsequente à entrada em fase de desiquilíbrio, tinha de passagem, conseguido enfiar a extremidade do dedo mínimo da mão esquerda, no espaço entre o quadro da porta e o bordo desta.
Só me restava uma opção, a de o responsabilizar pelo ataque e afirmar que nunca esperaria que ele estivesse ali para me empurrar.
E o Mj. ASS acedeu
No fim, ainda teve sorte por a falangeta não ter sido castigada para além do limite elástico; ficou-se por uma luxação simples se bem que, como se aceitará, muito dolorosa
Nos dias que se seguiram vi-o por diversas vezes a tentar a avaliar o nível de recuperação da luxação.
Nunca senti remorsos; só me ocorria uma algo anarca e profunda reflexão: "ninguém te mandou meter o dedo no cu da galinha".

Azevedo